A dor da Perda

Responsabilidade acrescida transpor para palavras todo um sentir vivenciado que nos rasga a alma e onde impera aguardar pelo famigerado juiz …o tempo, para suavizar e gerênciar algo que fica marcado a ferro e fogo para sempre! Superar me à entrega, à rotina dos dias e aos gestos indiferentes onde resta o anseio desconcertante nas mãos vazias do meu bebé!

Decidimos ser pais quando abandonei tudo por amor e nos mudamos para o Dubai, sendo um desejo de ambos há muito e como íamos casar resolvi ir ao médico e deixar a pílula. O médico avisou-me que poderia levar algum tempo e no mês seguinte, engravidei! Soubemos, ainda estava apenas de uma semana mas, o meu corpo deu-me logo sinais! O meu marido ficou radiante, eu, um pouco assustada pois não esperava que fosse na primeira tentativa, o que com a primeira ecografia se dissipou por completo, pois a felicidade sobrepunha-se a qualquer receio! Como estava de poucas semanas e a euforia de um turbilhão de emoções imperava, nada induzia ser anormal não ouvir o batimento cardíaco. Volvidas semanas, já casados. Com uma cerimônia íntima numa praia paradisiaca nas seychelles à semelhança do pedido em que vivenciava um conto de fadas quando, sem nada que o fizesse entrever, tudo se desmoronou…o coração teimava em não bater! Fiz a análise da beta hcg no próprio dia e outra passadas 48h para compararmos e descobrimos que o nosso bebé já não estava entre nós porém, ainda dentro do meu corpo! Foi uma dor inexplicável, sentimo-nos impotentes, com uma tristeza imensurável, sem saber como reagir, sentimo-nos perdidos e vazios. Eu não me queria culpar mas por momentos questionei, será que fui eu? Fiz algum exercício q não devia? Um esforço? O que, mas o que?? parei respirei e pensei: não fiz nada não tive culpa, ninguém ama mais o nosso bebé do que nós!! Foi Deus que assim quis, porque nada acontece por acaso e a natureza sabe o que faz, coloquei nas mãos de Deus e agarrei-me à minha fé!

Foram semanas dolorosas, como nos encontrávamos no Dubai, resolvemos que iria a Portugal abortar porque o aborto estava retido, ou seja, o meu organismo não expelia e preferíamos que fosse no nosso país, onde teríamos todo o apoio dos que mais amamos. Tive que vir sozinha, porque o meu marido não podia mesmo, o que piorava em muito a situação, 8h de voo que pareceram dias, cheguei e no dia a seguir fui ter com a minha médica, que me avaliou e explicou todo o procedimento. Vim para casa e dei início ao processo mais doloroso da minha vida, o qual eu não fazia ideia que seria tão duro psicologicamente, daí estar a partilhar convosco, porque tal como os médicos dizem é mais normal do que pensamos, mas ninguém fala sobre isto!!!

Tomei os comprimidos e 40min depois começou o trabalho de parto, as águas rebentam, as contrações começam a um ritmo alucinante e a perda de sangue começa e logo muito abundante, passadas 4h tive a primeira expulsão, aqui tenho imensa dificuldade de expressar em palavras o que senti e ainda sinto , chorei e gritei muito, como nunca o havia feito, senti parte de mim a ir embora, uma dor no peito que sufocava, quis ver, tentar perceber mas os meus pais agarraram me e acalmaram me… a sensação de puxar o autoclismo foi inexplicável, é uma dor atroz, foi sentir perder parte de mim!

A tormenta perpetrava volvidas 3h nova expulsão, tudo de novo, já com falta de força devido às dores, física e muito a psicológica, foram 30min ou mais a tentar fazer força para conseguir expulsar… as hemorragias continuaram na noite e dias seguintes. Passados três dias voltei a colocar os comprimidos, as hemorragias mantinham-se mas já sem dores e sem expulsão! Uma semana após a primeira toma voltei ao consultório e estava tudo bem, útero vazio e o meu coração também! Um mês em Portugal, vários exames para confirmar que estava tudo bem e recomeçar uma vida normal tentando acalmar a dor!

Voltei para o dubai e no princípio de outubro fui a uma consulta de rotina para ver como estava tudo e a doutora sugeriu fazer um exame à quantidade de óvulos. Estava tudo bem mas o resultado do exame não foi o melhor, já não tenho muitos óvulos mas ainda havia esperança, aconselhou-nos a tentarmos nova gravidez e se não conseguíssemos nos seis meses seguintes, deveríamos tentar então a fertilização.  E não é que na semana seguinte engravidei?!

Uma boa nova chegava para nos aquecer o coração! Reiniciamos as consultas e ouvimos o coração pela primeira vez, foi a melhor batida que alguma vez tínhamos escutado…um momento mágico! Estava com uma gravidez de risco devido ao que tinha acontecido anteriormente mas, tudo correu bem…até às treze semanas, fomos à consulta e assim que a doutora colocou o ecografo vimos o nosso bebé deitado e sem o som que tanto gostávamos de ouvir, o nosso bebé tinha partido uma vez mais… e o nosso coração, a nossa alma entregue a uma tristeza sem precedentes, diria dilacerante. Chorámos , chorámos muito com a nossa médica sempre connosco, saímos directamente para a consulta de anestesia, pois a médica aconselhou a cirurgia devido ao que me tinha sujeitado na primeira gravidez. Consulta feita, cirurgia marcada para 48h depois e lá fomos para casa, mais uma vez de mãos vazias, com menos uma parte de nós!48h volvidas regressamos à clínica para a cirurgia, fui internada, os médicos e enfermeiros foram incansáveis, tiveram todo o cuidado possível para nos explicarem tudo e apoiar o máximo que conseguiam. Informaram o meu marido que seriam 15m… Lá fui eu, despedi me do meu marido e quando saí do quarto as lágrimas caíam-me, senti-me profundamente triste e sozinha, sem o meu amor, sem sequer poder falar a nossa língua, com um medo enorme porque nunca tinha levado uma anestesia geral, nunca havia sido internada…não consigo descrever o que senti naquele momento, os nervos falaram mais alto, a médica apercebeu-se do meu estado e ministrou-me imediatamente a anestesia. A cirurgia passou de 15 a 55min, porque o bebé era grande e a placenta encontrava-se muito agarrada, 1,30h depois de entrar no bloco acordei, olhei para o relógio e percebi o tempo que tinha passado, tirei a máscara aflita e pedi ao anestesista que estava a meu lado para chamar o meu marido, pois imaginava a aflição dele sozinho à espera, ele entrou, ficou branco, em choque por me ver assim cheia de máquinas a apitar, mas eu fiquei mais tranquila e pensei, tenho de ser forte e apoiá-lo porque tal como nós, também eles sofrem e muito! Decorrido um hiato temporal regressei ao quarto onde permaneci umas horas sob observação, seguindo-se a alta.

Uma vez mais, tentar recomeçar e seguir, mas com a decisão tomada de voltarmos para Portugal, assim que tivesse alta das consultas de pós operatório e pudesse voar! Assim foi, voltámos, fui à minha médica e resolvemos seguir o seu conselho e fazer os exames genéticos e com eles tentar perceber o que se passava. Após recebermos os resultados ficou provado que tinha trombofilias, daí os abortos de repetição, mas agora sabíamos o porquê e que ainda havia esperança, apenas terei que levar numa próxima gravidez, injeções de Heparina e o nosso bebé chegará!!!

Nunca deixar de acreditar que conseguimos, que possuímos uma força inesgotável e nos superamos em todas as medidas, aceitando com um sorriso o que a vida nos dá e acima de tudo agradecer e continuar com o amor e apoio que tive e tenho do meu marido, pais, família e amigos, que foram a nossa força!

Não vou omitir que estas situações podem comprometer a relação, podem sim, mesmo sem darmos conta, mas tenham sempre em mente que o diálogo ajuda muito, partilhar a nossa dor, medos, inseguranças, chorarmos juntos com o nosso amor, ajuda muito a ultrapassar e a saírem ainda mais fortes e unidos!

Nunca se esqueçam que com amor tudo é possível e que o nosso amor maior está por vir!

A força do amor é inexprimível!❤