Desafios da amamentação Parte 1
A amamentação é daqueles temas que gera sempre opinião. E que mais frustração gera às mamãs também. Desde sempre que nos incutem a noção de que é algo fisiológico, que “basta” pôr o bebé à mama e ele mama tranquilamente, sem qualquer incidente. Pois. Uh-uh. Nada poderia ser mais longe da verdade. Em bom rigor, evacuar também é um processo fisiológico e, no entanto, há quem necessite de ajuda para o fazer. Prova disso são os inúmeros anúncios de produtos laxantes! Portanto, porque achamos que a amamentação é simples? Este pensamento gera muita frustração, culpabilização e insegurança o que, ironicamente, inibe ainda mais o processo.
A amamentação é desafiante. Antes de mais, não obstante as recomendações da Organização Mundial de Saúde de aleitamento materno exclusivo até aos 6 meses de vida, a verdade é que cada mulher sabe de si e tem o direito de escolher se quer amamentar ou não. Chega de bullying e julgamento às mães que optam por não o fazer ou àquelas que querem muito, mas que por alguma razão não conseguem. E é a estas que me dirijo. Se conseguir, com este artigo, ajudar uma apenas, já fico feliz. De acordo com o Relatório de Aleitamento Materno da DGS de Outubro de 2014, 98,57% dos bebés iniciou o aleitamento materno (AM) antes da alta. Destes, apenas 76,7% manteve o AM materno exclusivo até à alta. Os números até são encorajadores! No entanto, as dificuldades sérias ocorrem quando as mães vão para casa e, de repente, ficam sem apoio. Os números falam por si: 67,5% dos bebés mantinha AM exclusivo na 5ªsemana de idade, descendo para 51,6% com 61 dias de vida (2 meses). E o número reduz drasticamente para 35% em AM exclusivo aos 121 dias de idade (4 meses). A maior parte das mães que conheço desistiu de amamentar ao final do 1º mês ou, as que se aguentaram, ao final do 2º/início do 3º. E temos de tentar entender porquê. Resume-se essencialmente a isto: falta de apoio e informação. A falta de apoio então, é a “morte do artista”.
Falo-vos da minha experiência, pois é a única que conheço a 100%. Cada mãe, cada bebé, cada família é única. No entanto, os desafios passarão todos mais ou menos pelo mesmo. Tive uma gravidez tranquila, adorei estar grávida e imaginava o meu filho a nascer de termo, parto vaginal, contacto pele a pele durante horas, enfim, tudo lindo e maravilhoso. Mas a natureza pregou-me uma partida e eu tinha, a priori, tudo para que a amamentação não desse certo. Nasceu às 33+5 de cesariana de urgência, tendo eu estado internada durante 4 dias antes com uma bolsa rota e risco de infecção. Ele ficou internado na neonatologia durante 14 dias. Contacto pele a pele? Tive muita sorte em ter conseguido ver o meu filho antes de ser levado (pelo pai) para a unidade de cuidados intermédios. A saga da amamentação começa aqui. Queria muito, mas mesmo muito, amamentar em exclusivo até aos 6 meses. No entanto, perante este cenário, teria sorte se conseguisses sequer amamentar, quanto mais até aos 6 meses. O mais importante: um passo de cada vez. Escrevo este texto para vos dizer que sim, é possível. E para encorajar as mamãs e papás que, tal como nós, viveram uma situação longe do ideal esperado.
Assim que voltei para o quarto, sem o meu bebé, tive uma sensação estranha. Havia mais duas mães neste quarto: uma tinha o seu bebé consigo, a outra estava na mesma situação que eu. A enfermeira veio ter comigo e a primeira coisa que lhe disse foi “Quero amamentar. Como posso fazer?”. Referiu que teria de estimular com a bomba e que, para isso, teria de me sentar (o que não é uma tarefa fácil após uma cesariana, vim a saber). “Tudo bem”, retorqui eu, “eu sento-me”. Veio ter comigo novamente após quase 6 horas (o tempo limite para começar a estimulação, ao que parece) e “obrigou-me” a levantar e caminhar até à casa de banho. Nunca 20 metros pareceram tão longe. E os 2 degraus para subir até à zona das sanitas? Martírio. Queria muito ir ver o meu filho, mas as tonturas não me permitiram. Eram 11 da noite. Fui vê-lo pela primeira vez às 2 da manhã, de cadeira de rodas, levada por uma auxiliar que mais parecia um anjo nesta altura do campeonato. Conheci muito bem os corredores entre o meu quarto e a neonatologia nos dias que se seguiram.
Quando a enfermeira foi ter comigo para me levantar, levou uma bomba de extracção de leite da Medela (sistema igual ao que o centro pré e pós parto me tinha aconselhado e vendido no entretanto, o que facilitou bastante o processo de adaptação mais tarde). Avisaram-me que nas primeiras 4 vezes era normal não sair nada, mas que teria de continuar a insistir. Na verdade, foram as primeiras 5. Nada. Nesta altura, fui assolada por medos – será que não tenho leite? Será que vou conseguir extrair? A cabeça fala muito alto nestas alturas. Nessa primeira madrugada, o bebé de uma das mães chorava e eu não tinha o meu comigo. Parecia que me tinham espetado uma faca no coração. Chorei também, baixinho para não me ouvirem. Fiz uma playlist de música de meditação e afirmações positivas e lá voltei a tentar. Na quinta vez – um bocado de colostro. Chorei de felicidade. Como líquido precioso que era (para mim valia mais do que ouro), a enfermeira colocou numa seringa para eu ir a “correr” (arrastar, vá) até ao meu bebé e dar-lhe, finalmente, o que a mãe dele conseguiu produzir. E continuei a estimular – de 3 em 3 horas, 15 minutos em cada mama. E em (quase) cada extracção, saía um pouco mais. É desafiante extrair leite com dores e numa cama onde quase não nos conseguimos mexer. Cheguei a entornar o pouco leite que tinha conseguido extrair e chorei com raiva e frustração. Mas lá ia tirando e dando ao meu bebé, que a dada altura já só bebia o leitinho da mamã.